Reflexões advindas das leituras do livro de J. Gaiarsa – Com
um currículo de milhares de atendimentos familiares.
Passados as segundas exaltações parentais do ano, com o recente
"dia dos pais", atrevo-me a trazer algumas reflexões.
Mas vencendo minha mania de omitir o óbvio, quando faço
contrapontos, desta vez vou expressá-lo: sim, devemos gratidão aos nossos pais
por ter nos dado a oportunidade da vida. Não: aquela fala "eu não pedi
para nascer" é a pior das afrontas, mentiras, e imaturidade que um(a)
filho(a) pode falar... e esta daria outra conversa... E sempre há as
contribuições valiosas dadas pelos pais, sim, em nossa formação. E sim, há pais
maravilhosos, impecáveis (e às vezes com filhos terríveis).
Mas aí vem um contraponto muitas vezes omitido, não
verbalizado, e até jogado para baixo do tapete. Mães e pais que destroem a psique,
a formação, a saúde mental, emocional e/ou física de seus próprios filhos - da
criança e às vezes até a adultidade. Fazem isso de diferentes maneiras. E por
várias razões – o despreparo; a imaturidade; o baixo discernimento; o repetir
os padrões sociais e familiares; o excesso de amor; e até a falta de afinidade.
Não raramente há pais que realmente não gostam dos filhos. E nem trago aqui os
casos de infanticídio. E é verdade que há os casos de matricídios e parricídios.
Não vou aqui ir para os extremos.
A questão é que são reais, os casos de desafetos entre pais
e filhos. E talvez numa estatística muito acima do que se imagina. E o fato da
sociedade querer negá-los torna ainda mais dolorosa e problemática a situação.
Leva à negação – mecanismo de defesa do ego há décadas estudado por Freud, e por
esta razão, o pior resultado: não se busca resolver o problema – que teria
vários caminhos, todos com objetivo máximo de trazer pacificação íntima àquele
que sofre com o problema. Ficar em paz com a realidade. Desconstruir e resolver
crenças limitantes, incompreensões, mágoas, padrões patológicos de pensamentos,
sentimentos e comportamentos. Reconstruir-se mais saudável, confiante, digno,
bem resolvido(a).
Este é apenas um de tantos problemas que vivenciamos nas
famílias, e trazidos por Gaiarsa em seu precioso livro. Não é qualquer um que
consegue ler. Admitir que a "mamãezinha" não tem nada dos tantos
referenciais do que é(seria) "ser mãe" em nossa sociedade pode ser
missão impossível para alguns.
Gaiarsa aborda este e outros temas de maneira às vezes
duras, escancarando verdades que muitos podem preferir não ver e não enfrentar,
mas o objetivo é extremamente nobre: formar gerações melhores, mais saudáveis.
Desconstruir mitos e hipocrisias que só oprimem e atravancam a formação de
adultos mais maduros e dignos.
Só pra levantar mais uma polêmica: "amar todos os filhos
da mesma forma, mesma intensidade?"
Não concordo com tudo que está neste livro – o que me motiva
ainda mais a indicá-lo, pois provoca o exercício de conhecer outras
perspectivas, e testar meu abertismo e flexibilidade. E sei que posso estar
errada! Por essas e por outras, o super indico. Para aqueles não vivem o
"sonho cor de rosa da família perfeita, propaganda de margarina", é
leitura imperdível.
Referenciamento do livro:
"José Angelo Gaiarsa analisa nesta obra como transformamos um ser pleno de possibilidades em um indivíduo mesquinho, preconceituoso e frustrado. A fim de inspirar novas leis sobre a família e provocar no leitor reflexões sobre seu modo de agir diante dos filhos e da vida, o autor propõe o resgate do prazer, da amorosidade e da espontaneidade para aprimorar os relacionamentos.
Afinal, diz ele, "a finalidade primeira de qualquer civilização amante da vida é empenhar-se por inteiro para que a geração seguinte seja definitivamente melhor, oferecendo a todo ser humano recém-nascido tudo de que ele precisa e todos de que precisa"."