Quando se menciona a palavra espiritualidade, em geral as pessoas entendem: - Ah, ha, ele está falando de religião!
Esta confusão é bastante comum e leva ao estreitamento do conceito de espiritualidade. Creio que o texto acima é muito mais abrangente a aplicável ao nosso cotidiano.
A matéria de capa da Revista Exame de 23 de janeiro de 2002 trata do tema “Deus ajuda?”, com a pergunta complementar: a espiritualidade está em alta no mundo dos negócios. Será mais um modismo ou vai transformar a vida das empresas?
Eu tenho uma opinião bastante clara que nós estamos em meio a um enorme processo de transformação no mundo empresarial, e que a espiritualidade já tem um papel norteador fundamental neste processo. Nós passamos uma grande parte do “horário nobre” de nossas vidas nas empresas; então, é justo e previsível que busquemos também neste local privilegiado um conjunto de significados para nossas missões de vida. Portanto, respondendo à Exame, este não é um modismo! Como descrito na revista, é louvável e faz parte dos negócios a postura de tantos dirigentes de empresas, que buscam aplicar, cada um à sua maneira, sua espiritualidade no dia-a-dia de seus negócios.
Para se ter uma ideia da abrangência e penetração do tema, se pesquisarmos nos instrumentos de busca da Internet a palavra “espiritualidade”, temos 42.700 citações. No inglês, “spírituality” temos 2.340.000. Quando vamos para “spirituality at work”, encontramos 1980. São números significativos.
A visão mecanicista tradicional fragmenta a nossa vida em segmentos separados: nós trabalhamos de 2ª. a 6ª. , e no sábado ou domingo, vamos à missa, culto ou reunião de orações, segundo a crença de cada um. É como se o mundo dos negócios se separasse do mundo “religioso”. A visão de espiritualidade mescla e integra estes mundos, fazendo do ambiente empresarial um lugar privilegiado onde podemos (e devemos) praticar a espiritualidade. O sentido de fraternidade, tão caro a todas as correntes espirituais, se manifesta sob o nome de “trabalho de equipe” (e até “espírito de equipe”).
A estratégia de negócios pode ser denominada de “nossa missão” e nortear e fornecer significado a todos que trabalham. O lugar de trabalho deixa de ser só um lugar para se ganhar um salário no fim do mês ou para gerar lucros, para ter um sentido ampliado de satisfação. O papel gerencial dos líderes passa a incorporar a dimensão humana: orientar e apoiar o crescimento das pessoas de cada departamento, ajudando-as na realização de seus potenciais individuais. O que antigamente era visto como assunto desligado das empresas, como algo religioso ou até místico, hoje se insere como uma dimensão estratégica das organizações. São as “empresas que aprendem”.
Quando as empresas e as pessoas que nela trabalham têm esta consciência, a consequência é que fluem com muito maior facilidade os fatores mais buscados pelos executivos das empresas: a motivação, o desempenho, o espírito de equipe, a comunicação eficaz, a qualidade, o foco no cliente, o “estar de bem com a vida”. Quando trabalhamos o tema da espiritualidade no trabalho, os benefícios que podem ser esperados são a melhoria da qualidade de vida individual e coletiva, o estímulo à situações de crescimento e desenvolvimento, o incentivo do sentido de parceria, criatividade, cooperação e trabalho em equipe.
Espiritualidade e autoconhecimento são irmãos gêmeos, estimulando ações de transformação pessoal e, consequentemente, de seus ambientes. Na medida em que a empresa desenvolve com maior clareza sua missão e visão, estará revelando as intenções reais, que precisam ter uma dimensão de transcendência, de servir a uma causa maior. Quando as pessoas se conectam à dimensão espiritual de suas tarefas do cotidiano, novos significados surgem. Por exemplo, em qualquer relacionamento, quando olhamos a outra pessoa como um ser em processo de evolução, semelhante a nós, fica muito mais fácil o entendimento.
A enorme velocidade de transformação pela qual estamos passando em todos os aspectos de nossas vidas faz com que toda a segurança que tínhamos no património, no material e no concreto se desvanece, como uma neblina aos primeiros raios do sol. As dimensões do intangível, do invisível e do espiritual começam a se tornar mais presentes, e com isto os processos de transformação começam a fazer sentido e tem seu lugar. Eu começo a “ser humano” e a fazer a diferença, a transformar os “RH’s” e a nossas empresas em humanas quando integramos a mente e o coração, a matéria e o espírito, lembrando que O SER HUMANO É INDIVISÍVEL.
Creio que é oportuno encerrar citando Rudolf Steiner, que em Bremen em 1910, disse:
Temos que erradicar da alma todo medo e terror do que o futuro possa trazer ao homem. Temos que adquirir serenidade em todos os sentimentos e sensações a respeito do futuro. Temos que olhar para frente com absoluta equanimidade para com tudo que possa vir. E temos que pensar somente que tudo o que vier nos será dado por uma direção mundial plena de sabedoria. Isto é parte do que temos de aprender nesta era, a saber: viver em pura confiança. Sem qualquer segurança na existência; confiança na ajuda sempre presente do mundo espiritual.
Em verdade, nada terá valor se a coragem nos faltar. Disciplinemos nossa vontade e busquemos o despertar interior todas as manhãs e todas as noites.
• Gustavo G. Boog é colunista do Empregos.com.br e consultor da Boog&Associados
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